Se vai buzinar, que seja para se divertir

No final do ano, em um sábado há poucas semanas do Natal, fiquei 30 minutos preso em uma fila de carros para sair do estacionamento de um shopping. Motivos à parte, as pessoas começaram a buzinar depois de uns 10 minutos. Achei que demorou até, considerando o que já vi anteriormente. Porém, ficou ensurdecedor depois de ter começado. Pais tapavam os ouvidos de seus pequenos enquanto caminhavam pelo estacionamento.

Minha esposa, então, sugeriu: “E se você buzinasse ‘Tã-tã-tã-tã-tã’ e esperasse ver se alguém completa com ‘Tã-tã’?”

[A melodia — ou ritmo — é o que vemos no filme do Roger Rabbit quando o Christopher Lloyd quer provocar o coelho a sair de trás da parede.*]

Esperei uma pequena pausa no buzinaço e puxei algumas vezes a buzina que convidava os outros carros a completarem.

“Se vai buzinar, que seja pra se divertir, né?” ela comentou comigo.

E não demorou para que: 1) os carros parassem de buzinar continuamente de forma irritante e barulhenta em um lugar com mais eco que meu banheiro 2) alguns completassem a brincadeira sugerida por mim, inibindo a ‘buzina reclamação’, dando lugar a diversos carros de gente grande para que se transformassem em crianças com seus brinquedos 3) outros carros também começassem a puxar o ritmo, no que eu pude também completar a brincadeira e sair às gargalhadas de um trânsito de 30 minutos, em vez de estressado e odiando a humanidade.

Obrigado, Carol, pela graça alcançada.

* A música chama-se “Shave-and-a-Haircut”: http://youtu.be/VgPiIpboxt0?t=17s

Um ótimo título pro seu post

– Ô Miranda, vem cá. Você conseguiu uma matéria especial, grande.
– Sério? Faz 10 anos que eu queria.
– Pois é. E ainda vai ser meio gonzo… você vai ser a própria matéria.
– Ta de sacanagem.
– Não. A gente quer que, a partir de hoje, sexta-feira, você viva como essa galera nova aí, testando novas coisas. Você não precisa mais vir pra cá, faz o que quiser do teu dia. Também não tem mais vínculo com a gente, então não vai ter mais salário também. Mas isso tudo faz parte da pauta! Cria um blog, abre uma página de textos no Facebook, o que você quiser. Conta dos seus dias, as dificuldades, a descoberta pessoal, tudo isso que o pessoal posta nesses sites, blogs aí, sei lá. E relaxa: é sem deadline, não precisa marcar nenhuma data pra entregar esse texto. É a pauta que você sempre quis!
– Cara, eu to demitido?!
– Pronto, taí. Você já tem um ótimo título pro teu post.

Medo

love

“Por que tenho medo de dançar, eu que amo a música e o ritmo e a graça e a canção e o riso? Por que tenho medo de viver, eu que amo a vida e a beleza da carne e as cores vivas da terra e o céu e o mar? Por que tenho medo de amar, eu que amo o amor?”

– Eugene O’Neill, em “O Grande Deus Brown”

Qual o título?

Comecei a ler um livro e, nas primeiras páginas, o autor fala da morte do personagem principal. A princípio, me incomodei com isso, como se estragasse o restante da história.

Porém, não foi um incômodo genuíno: foi o eco de algo que acostumei a me incomodar, e que dessa vez, parando alguns segundos para pensar nisso, não me incomodava mais.

E justamente porque esse início do livro é a nossa história. É isso que estamos contando: a história de como vivemos com nossas decisões. O fim (ou a morte) é inerente à vida. Falar sobre ela é óbvio e esperado. A surpresa está no meio, junto com as pessoas que escolhemos contar essa história e o que decidimos fazer com o tempo que nos foi dado.

E essa é uma história legal de se contar, parte de um livro legal de se ler: o da sua vida.

Falha de roteiro

Vejo constantes reclamações sobre “falhas de roteiro” em determinados filmes. Imagino que as pessoas reclamem por acharem que a história e seu roteiro deveriam ser impecáveis.

Porém, ouso dizer que não existe maior verossimilhança com a vida do que um roteiro que não explica tudo o que acontece, personagens que aparecem e somem sem explicações e sem sabermos de seus paradeiros, histórias mal contadas, pontas soltas, mortes repentinas e, enfim, falhas nessa vida que insistimos em procurar respostas aconchegantes em roteiros que não existem, a não ser em nossas cabeças.

Relaxe e curta o filme.

Por seu sorriso

Não acho que era uma questão de tristeza ou de não ser divertida. Ela parecia ter seus momentos de felicidade, como muita gente consegue em diferentes histórias; e era querida, uma presença sempre bem-vinda. Não consegui entender ainda o motivo, mas nunca vi uma gargalhada dela e, quando pensando sobre isso, não conseguia imaginá-la gargalhando.

Mas sorria. O intento de todos os conhecidos — uma vez apresentados a seus lábios que formavam um arco ao contrair um pouco os olhos enquanto sua pele na maçã do rosto ficava mais rosada, suas pupilas brilhando de excitação e emoção, mirando em algo que poucos podiam ver, mas percebiam refletidos em seu sorriso — o intento de todos era viver por esse momento, por seu sorriso.

Ainda assim, o desprendimento de gargalhar, sem controle de si ou preocupação com o barulho, despretensiosamente se entregando ao momento que quebra protocolos e a poesia educada — já que esse tipo de estouro poucas vezes acontece com classe ou graça e conversa mais com a prosa — ainda assim não era possível visualizá-la nesse abrupto gargalhar.

Por isso, por toda essa não-possibilidade de algo, parecia faltar algo em si, que a completasse, que a fizesse relaxar e esquecer de si, por alguns segundos. Talvez seja isso. Só se permite gargalhar quem esquece de si, e isso ela não conseguia. Nem sabia que não conseguia, mas também não tive coragem de contar que era preciso ser mais leve para não pensar em si, e como poderia cobrar isso dela, que tanto havia sofrido?

Mas sorria. Sorria de forma bela e sincera, principalmente quando o sol saía e aquecia sua face. Era involuntário, um sorriso não percebido, desses que escapam furtivamente, com estripulia, uma fuga sem prisão, fugir apenas pela brincadeira de sair. Assim era seu sorriso, e o sol vivia por esse momento, com o intento de seu sorriso.

E conseguia.

Quase santistas

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Neymar é o Tupãzinho do Santos dessa geração. OK, pode ser exagero meu, mas aquele gol do Talismã da Fiel na final do Campeonato Brasileiro de 1990 contra o São Paulo, dando o título ao Corinthians, foi um dos motivos que sedimentou minha torcida pelo alvinegro da Zona Leste.

O fato é que há órfãos de Neymar por aí, nesse exato momento, alguns nem sabendo que o guri foi comprar cigarros ali no Camp Nou e não volta mais [pelo menos nos próximos 10 anos]. Claro que alguns já foram tão impactados que não mudarão de time, mas há os que ainda estão em formação e se apoiavam na figura da alegria e ousadia para torcer pelo alvinegro praiano. Eis que surge uma brecha a ser preenchida no coração da gurizada.

Fosse eu do marketing dos clubes paulistanos, começaria hoje mesmo, segunda-feira de frio, uma ação intensiva na saída dos colégios da capital, aproveitando o feriadão prolongado para agregar torcedores. Ficam algumas dicas aos times, para abordarem pequenos órfãos [quase] santistas:

Corinthians
Não estamos na Libertadores, mas estamos no Brasil. Você já conhece o Pacaembu: agora você pode conhecê-lo lotado com a maior torcida da cidade. [Também vestimos branco e preto, sinta-se em casa].

Palmeiras
Estamos na série B, mas nossos jogos têm horários que se encaixam ao seu perfil. Aproveite que você não tem aula de sábado e peça para seus pais te levarem nos jogos de sexta!

São Paulo
Er… serve o Ganso?

Portuguesa
Não compramos o Neymar, mas também não compramos o Ganso.

______

colaboração [“Portuguesa”]: Gui Louback

foto: reprodução

O melhor de 2013 (até agora)

Falar que o álbum do Daft Punk e o 20/20 do Justin Timberlake são uma das melhores coisas que 2013 nos proporcionou até o momento é: 1) ser redundante e ouvir os amigos dizerem “Pode crer” ou 2) ser rechaçado por quem não gostou por que __________ [insira aqui o motivo à sua escolha]. Por isso não vou falar isso, embora seja verdade.

Uma das melhores coisas proporcionadas por 2013 é [também] o álbum Grownass Man, da banda The Shouting Matches. Sim, nome de banda hipster para um líder de banda digno de ter sua foto de um relicário pendurado no pescoço de um cara de óculos escuro em dia nublado no Brooklyn, em Nova York. O nome dele: Just Vernon [o cara do Bon Iver, pronto].

The Shouting Matches é tudo o que Bon Iver não é: alegre, feliz, pra cima… e bom. Claro, isso para quem não acha Bon Iver bom [eu acho]. Mesmo que você não ache, vá por mim: vale a pena ouvir esse novo projeto.

É um rock-blues de qualidade e muito bom gosto, boas referências. Nem parece o Justin Vernon. Na real, não parece porque nunca sentei numa jam com o cara para saber do que ele é capaz, mas é uma coisa inesperada para quem está acostumado apenas em ouvi-lo com o Bon Iver.

Permita-se ouvir algo bom e novo, um rock delicinha para quando você estiver cansado do pop certeiro e dançante do outro Justin e do eletrônico arrebatador do Daft Punk.

Um vassalo feliz

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“Quando bebo, sou rei como um poeta,
E o vinho faz sonhar com os amores.”

Álvares de AzevedoSpleen e Charutos, capítulo 3, Vagabundo

Já fui rei. Minhas terras se estendiam até onde os olhos da imaginação conseguiam enxergar. Soberano, não era uma questão de reconhecimento: como toda monarquia, era de direito meu, sem contestações. Rei é rei, e pronto. Claro que reis nascem, não tem isso de geração espontânea, mas qualquer vassalo já nasce sabendo quem é seu rei. Inquestionável. Se o rei morre antes do vassalo, vem outro, mas impávido da mesma forma. Inquestionável.

Construí territórios, expandi o reinado. Precisei trocar de trono por não caber tanto ouro e ornamento em meu pescoço e braços. Sem falar no peso da coroa. Sem ninguém questionar.

Porém, o peso do ouro não era cotado na bolsa de valores. Não havia lastro para meu ouro e pedras preciosas. Poeta e lúdico, já cheguei a contar uma história que aconteceu comigo, em uma mesa de bar, sendo desmentido na mesma hora por meu irmão: “Gá, isso aconteceu comigo.” Não foi maldade ou querendo roubar os créditos, mas histórias e reinos se misturam na minha cabeça. Benção e maldição, mas falo sobre isso outra hora.

E fui questionado. Dos que me dirigiram perguntas, uma única pessoa vale a pena mencionar: eu mesmo. Fui à guerra armado de perguntas, questionamentos que me levaram a desafios colocando meu reino à prova. E ele se esvaiu, como fumaça de fósforo recém-apagado. Um sopro que dissipa de forma suave, mas impávida. Inquestionável. Isso sim não tem como duvidar: você vê a fumaça se desfazendo, desaparecendo. Ninguém precisa te contar, é visível.

E invisível fiquei. Ou procurei ficar. Quando se perde um reino, para que terras correr? Mas era um reinado só meu, criado por mim, uma pátria exclusiva, só minha. Mas é isso, quis me esconder de mim mesmo. Pela primeira vez desci do trono e me olhei no reflexo das joias da coroa. Porém, não eram joias. Eram pequenas pedras, aparentemente sem valor, mas parte de mim. O que sobrou depois da fumaça se dissipar. Mas eram minhas. Aquelas pedrinhas eram eu, e estavam no meu caminho.

Mas não quis retirá-las: não eram tropeço, tampouco obstáculo. Eram pequenas e eram minha base. Podia fazer o que quisesse com elas. Descobri meu reflexo nelas e me encarei. A princípio não foi legal. Eu era rei, cacete. O que seria agora? Bem… eu seria o que eu quisesse.

Com as pequenas pedras, porém sólidas, comecei a construir algo meu. Sem fumaças, sem divagações. Deixo os sonhos e a imaginação para o que faço, não mais para quem sou ou quero ser. Com pequenas pedras, ergui uma construção humilde, longe de ser um castelo. Nem sei se quero castelos. A intenção não é essa. A intenção é construir algo meu, de verdade, por menor que seja, mas real.

Hoje consigo ser mais do que pedrinhas que me refletem. Sou menos rei do que já fui, mas pelo menos sou feliz, de verdade. Um vassalo feliz. É possível.

30 Carolinas

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Não se desespere, meu amor. Dizem que os 30 anos são os novos 20, mas te conheço e sei que você não está nem aí para o que dizem. É uma das coisas que amo em você: sua capacidade de dar valor ao que tem valor. Mas não se desespere.

Sei que você não se sente mais jovem quanto antes. Você me disse isso. Mas eu ainda te vejo como te vi no primeiro dia que saímos: deslumbrado por uma mulher incrível. Há 10 anos você já era mulher, sem saber. Te chamar de guria ou pequena nunca te fez menor ou mais infantil. Você foi a mulher da minha vida, naquele dia, e é a mulher da minha vida hoje, tendo passado por tantas outras vidas juntos.

carol 2

O sentimento de fazer parte da sua história e de todas as suas vidas desde que nos conhecemos é algo difícil de descrever. Esse é um dos seus super-poderes: trazer sorrisos a quem está próximo e deixar-nos sem palavras. Diante de você emudeço. Me falta vocabulário e referências, analogias e elucubrações. Sofro para escrever poucas linhas, merecedoras de você e de suas 30 Carolinas, que são incríveis e fantásticas, sagazes e engraçadas, inteligentes e divertidas, lindas e deslumbrantes.

Não ache menos de você: saiba. Não porque estou te dizendo, porque você é. Essa é a verdade e você é verdadeira. Só os tolos não acreditam na verdade. E você é sábia, saiba. Do tipo de pessoa que faz o clichê ser verdadeiro: ajuda o mundo a ser um lugar melhor. Acrescenta muito, pouco [ou quase nada] pedindo em troca. Aprendo tanto contigo, de mim, de você e de nós. Sou afortunado por dessa galera toda no mundo ser eu a estar ao seu lado não só nesse dia especial, mas em todos os nossos dias comuns, que se tornam especiais por você estar neles.

Não se desespere, meu amor. Não prometo que resolverei tudo, mas farei o máximo para se equilibrar. Para nos equilibrarmos. Tamo junto.

carol 3